bem vindo ao espaço sideral! aqui não existe tempo. aqui não existe espaço. encontramo-nos no vazio

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Quando nos amamos
rodeamos as palavras com um silêncio
tão puro
que só a ternura pode sugerir e
antever.

Por isso, resistimos ao frio dos gestos
ásperos
e às manhas ventosas que trocam os
beijos
pela inconsequência dos actos
sem nome nem chão.

E assim estaremos
na  solidez firme de uma rocha
convicta,
que por ser tão leve,
só os nossos pés descalços a
pisam.

Assim sabemos que
não nos podemos,
nem queremos
magoar.

Jorge 25/12/11

* Grandeza do Homem *


Somos a grande ilha do silêncio de deus 
Chovam as estações soprem os ventos 
jamais hão-de passar das margens 
Caia mesmo uma bota cardada 
no grande reduto de deus e não conseguirá 
desvanecer a primitiva pegada 
É esta a grande humildade a pequena 
e pobre grandeza do homem 

Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"

David Sylvian - A Certain Slant Of Light

Os silêncios são belos com intervalos de palavras: 
breves, singulares, singelas. como pinheiros que 
se elevam, suavemente, das raízes ao topo das 
montanhas. Sim, os silêncios são belos quando 
viajam intemporais em pura contemplação; 
quando as mãos descansam numa chávena de café,
e se esquecem de a levar aos lábios. Sim, os silêncios 
são belos quando são apenas silêncio e o calor dos 
corpos roça a pele e diz tudo o que há para dizer.

Dos silêncios, recordo-me dos sorrisos que cresciam
da tua boca e adormeciam nos meus olhos em todas 
as formas de amor. E, sem palavras, tu deixavas 
escrito na minha alma : "Sou eu que cheguei para 
te resgatar".

helena isabel

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tim Buckley - Song to the Siren

Revolução


Como casa limpa 
Como chão varrido 
Como porta aberta 

Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

Intemporal

A festa do silêncio


Escuto na palavra a festa do silêncio. 
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se. 
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas. 
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas. 
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma. 

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia, 
o ar prolonga. A brancura é o caminho. 
Surpresa e não surpresa: a simples respiração. 
Relações, variações, nada mais. Nada se cria. 
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça. 

Nada é inacessível no silêncio ou no poema. 
É aqui a abóbada transparente, o vento principia. 
No centro do dia há uma fonte de água clara. 
Se digo árvore a árvore em mim respira. 
Vivo na delícia nua da inocência aberta. 

António Ramos Rosa, in "Volante Verde"

A mais bela canção de sempre


Sonhei com uma alma outra
De um modo outro vestida:
Ardia na fuga
Da timidez à esperança,
Espirituosa e límpida
Como o fogo habita a terra,
Sobre a mesa pouso lilases
Para que lembrada seja.
Corre, criança, não pares
Pela pobre Eurídice,
Rola o arco e a gancheta
No mundo roda,
Até subires uma oitava
No tom alegre, e calma
Porque a cada passo a terra
Faz soar guizos nos teus ouvidos.

Arseni TARKOVSKI

A forma justa


Sei que seria possível construir o mundo justo 
As cidades poderiam ser claras e lavadas 
Pelo canto dos espaços e das fontes 
O céu o mar e a terra estão prontos 
A saciar a nossa fome do terrestre 
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia 
Cada dia a cada um a liberdade e o reino 
— Na concha na flor no homem e no fruto 
Se nada adoecer a própria forma é justa 
E no todo se integra como palavra em verso 
Sei que seria possível construir a forma justa 
De uma cidade humana que fosse 
Fiel à perfeição do universo 

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco 
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"